Entre umas ou outras andadas de ônibus, apaixonei-me por
um rosto. Uma expressão vazia, triste, melancólica, cheia de mistérios.
Observo. Observo.
Seus olhos percorrem um caminho igualmente vazio, como se
olhasse, mas não visse.
Como se mesmo estando a poucos passos dela, estivesse
distante, sensação de que quilômetros nos afastavam. Como se a verdadeira essência dela não estivesse
ali, mas estivesse no fundo de uma escuridão de mágoa extremamente sólida.
Não é lógico, nem prático, nem normal, nem comum. É
selvagem, irracional, desligado de qualquer onda de normalidade.
Observei sua expressão que nunca mudava, eu já nem mais
lembrava qual era meu destino, pelo contrário, meu destino havia se tornado
aqueles olhos vazios que mais me apareciam poços profundos e gélidos. Mesmo
moderadamente longe, eu podia sentir seu perfume mágico, talvez isso fizesse
parte do efeito que ela provocava em mim, mas o cheiro pertencia a ela. Era um
cheiro doce, forte, e muito sedutor, mas também era muito triste.
Eu podia sentir a vibração do seu corpo aparentemente
morto, que agora olhava nos meus olhos, Deus, ela está olhando nos meus olhos.
Fugir não seria possível, olhos que funcionavam como imas. Não havia mais
distancia nenhuma entre nós, os meus olhos grudados nela, e os dela grudados em
mim. Não me importava se alguém assistia aquela cena, não me importava onde
estava, nem até onde iria chegar.
Foi quando tudo realmente se apagou e apenas uma coisa
brilhou: um magnífico, brilhante, devastador e arrasador sorriso. Não, não
estou exagerando, era o sorriso mais enlouquecedor que eu já vi na vida. Eu não
precisava saber seu nome, nem sua idade, nem seu livro preferido. Eu á amava,
amava seu interior, não poderia dizer se era bonita ou não, pois estava
completamente mergulhado naqueles abismos que viviam no lugar dos olhos.
E como um piscar de olhos tudo sumiu, não saberia dizer
se foi sonho, só sei que foi físico.
O ônibus se mantinha idêntico, e eu não lembrava nada, e
ainda não lembro. Minha memória foi
junto com ela, meu nome, minhas idéias. Até que me acharam perigoso para viver
em sociedade, o que não era verdade, pois eu não fazia nada, apenas tentava
procurar aquele olhar, mas todo mundo tinha medo do meu olhar.
Fui parar no paraíso, onde eu podia andar sem rumo até o
limite de algumas paredes, alguns chamam o paraíso de manicômio, eu não sei o
que significa. Certas palavras não conseguem mais fazer sentido pra mim. Algumas
pessoas aparecem aqui com frequência, elas choram, me abraçam e depois saem do
meu paraíso, não consigo reconhecê-las, mas elas falam como se me amassem.
Cai pra dentro dela, foi por isso que tudo desapareceu,
na verdade eu não estava mais lá, já estava no poço.
Vivo em um poço, delicioso poço, meu poço.