Powered By Blogger

28 de set. de 2011

Apenas Lustre.


Ele olhava cada canto do apartamento de modos diferentes. Queria conhecer melhor a sua própria vida.
Assim que o sol caiu, ele trancou as janelas e a porta, não queria lembrar-se do mundo lá fora.
Tirou os móveis do meio da sala, sofá foi para o quarto e o criado-mudo também. Todas as quinquilharias da sala foram divididas entre os quartos, a cozinha e a varanda.
Quando a sala estava vazia, a luz apagada e todas as portas fechadas, parecendo um imóvel abandonado – e de certa forma era um imóvel abandonado – ele deitou olhando para o lustre do teto. Um homem qualquer deitado no chão de uma sala qualquer, de um apartamento qualquer, em um dia qualquer.
O silencio era palpável, nem triste, nem dolorido, nem trágico, apenas palpável.
Ele não chorou, nem se lembrou do passado, apenas pensou no lustre, superficial de certa forma, mas a verdade é que aquele circo todo havia sido armado apenas para ele admirar a beleza do seu lustre, que agora girava soprado por um vento inexistente. E a cada volta, ele brilhava mais aos olhos daquele homem deitado no chão de uma sala qualquer.
Ficou ali por horas, apenas olhando para o seu lustre que havia comprado em um brechó na sua primeira viagem a Londres.
O tempo passou, ele levantou, arrumou lentamente os moveis na sala, tomou um banho e foi trabalhar. Era um homem diferente, pois havia acabado de conhecer um lustre como nunca havia conhecido ninguém na vida.
Sem lágrimas, sem magoas, sem dores, sem passado.
Apenas lustre.

8 de set. de 2011

Embalos de sábado a noite.


Cheiro de cigarro no ar, no rádio gritava um rock qualquer, e ela ali, entre o som, a TV e os livros. Não lia mais, só respirava, fumava, chorava e ouvia musicas que não eram do seu gosto.
Isso tudo em um sábado a noite, logo no dia em que o mundo resolve se perder na madrugada, ela estava perdida na madrugada do seu quarto inundado de fumaça & som & lágrimas.
Aquele quarto vibrava, aquele rádio gritava, e ela mais parecia um quadro do que uma mulher. Não estava triste, apenas não sentia. Não sentia nem aquele nó no peito de quando estamos abarrotados de lágrimas quentes. Não, ela apenas chorava, caiam lágrimas frias, do mesmo modo que chovia.
Apagou o cigarro e caminhou lentamente até o banheiro, olhou seu rosto no espelho. Eu diria que não gostou do que viu, mas ela não sentia então ela também não via.
Mas eu, mero fantasma espectador, sei de tudo que aconteceu naquela casa naquele sábado a noite, não me pergunte como, apenas sei.
Loira, olho inchado, borrado de maquiagem derretida por lágrimas traiçoeiras, boca ainda vermelha, essa era a imagem do espelho, fria e molhada.
Saiu do banheiro em direção a varanda, a noite já acordava: carros, pessoas, bebidas, risadas homéricas.
Para ela, tudo soava falso, aquelas pessoas extremamente arrumadas achando que sair para alguma festa vai mudar a realidade de suas vidas vazias e medíocres.
Ela já foi assim, passava a semana pensando no fim-de-semana. Mas o tempo passou e ela percebeu o quanto aquelas festas a faziam sentir-se ridícula, fútil. Então resolveu abandonar as ruas da cidade, trocou o salto agulha pelo sofá.
Voltou para o sofá, ao lado do rádio que ainda gritava musicas nada animadoras, musicas tão perdidas quanto ela, estavam ali simplesmente por estar. Tocavam por tocar.
Acendeu outro cigarro, e se pôs a pensar. Pensou na musica, no sofá, no próprio cigarro.
E dormiu, com o cigarro na mão, o rádio gritando e a vida passando rapidamente fora de sua janela.
Quando acordou, já era dia. Domingo, o diazinho medíocre. Tomou duas xícaras de café, seguidas por dois cigarros, já não conseguia fazer nada no singular.
Tinha planos para aquele domingo sem sal, planos infalíveis e que dependia só dela e de alguns remédios que ela tinha em estoque no armário do banheiro. Dormir. Acordar apenas quando o despertador tocar, e a vida chamar para mais um dia de trabalho, numa segunda-feira provavelmente insuportável.
Tomou os remédios, dose forte, não queria acordar ainda no domingo. Deitou e dormiu. Dando adeus a realidade. E o som do rádio, aquele companheiro fiel, continuou lá, por todo o domingo emoldurando o quadro de uma mulher dormindo.

1 de set. de 2011

Suspiro da casa azul.


Ela ligou o rádio tentando ouvir qualquer coisa que desligasse seus pensamentos, trocou de estação várias vezes, até perceber que a única coisa que ela queria ouvir era som daquela voz, agora tão distante.
Decidiu que ficar em casa olhando a vida passar, não faria diferença alguma, já era hora de sair.
Não simplesmente sair, sair daquela dor, cortar qualquer ligação com aquele nome e talvez, conhecer outros nomes.
E ela saiu, pela porta da frente, do apartamento, da vida, da dor. Deixou tudo pra trás, fechou o apartamento e jogou a chave fora. Visto de fora poderia parecer loucura, mas não era, só assim ela poderia se livrar que todas as lembranças que respiravam ali dentro... chave no lixo, mãos no bolso, e olhos abertos para um novo mundo.
Assim ela andou pelas ruas da cidade durante um dia; uma semana; um ano; uma década...não sei, o tempo era relativo, ela já não sentia mais nada, apenas andava devagar, como um espírito ainda perdido.
Sem perceber, ela caminhou até a casa daquela voz, e olhou cada detalhe. As janelas azuis, a porta também azul... tudo azul.
Foi um olhar de adeus, passou um tempo ali, até o sol cair e as luzes se acenderem.
Quando não havia mais ninguém na rua, ela foi embora, sem olhar pra trás. Sabendo que não voltaria a ouvir aquela voz, e que ninguém sentiria sua falta, não o suficiente para fazê-la voltar.
Caminhou por todas as ruas de todas as cidades que ela achava que devia caminhar, um dia ela cansou. Cansou em frente à praia de uma cidade qualquer, com um nome qualquer. Assim parou de caminhar, sentou-se na areia perto o suficiente para sentir o cheiro da água salgada.
Pensou, colocou todas as idéias no lugar, voltou a sentir. Sentiu dor física, mas a pior dor foi aquela que doeu lá dentro dela.
Chorou, chorou a praia inteira, transbordou repetindo apenas um nome.
Foi desfalecendo aos poucos, sem muito alarde, apenas foi deixando tudo sair de dentro dela. E como um suspiro... ela já não estava mais lá. Apenas um corpo, deitado, abraçado pela areia.
Aquela voz que ela tanto queria ouvir, também queria ouvi-la. Aquela voz sentia uma saudade trancada por portas e janelas de uma casa azul.